Às Heróicas e Anônimas Amazonas
Hiram Reis e Silva, Cidreira, RS, 26 de setembro de 2010.
Tudo é sinistro de se ver, agora,
Uma nuvem vermelha escurece o céu,
O firmamento está manchado com o sangue de homens,
Enquanto as Valquírias cantam sua canção.
(Passagem das Lanças - 10ª estrofe, Njál’s Saga 157).
Voltei encantado ao perlustrar os fantásticos cenários dos amazônicos caudais. Mas a imagem mais bela, mais forte e que me arrebatou por inteiro foi a das corajosas mulheres daquela bela, mas inóspita região. Encantadoras e generosas na sua hospitalidade, fortes e destemidas ao enfrentar, muitas vezes sozinhas, os desafios da mata hostil, são elas verdadeiras amazonas a arrostar o cotidiano agreste sem esmorecer. Estas verdadeiras valquírias brasileiras merecem, com certeza, nosso mais grato reconhecimento e homenageando-as quero fazer aqui um tributo às guerreiras de toda nação brasileira. Reporto três passagens interessantes destas arrojadas mulheres que no remoto pretérito deram mostras de seu valor e cujas ações ficaram gravadas indelevelmente no inconsciente coletivo do planeta.
- Isabela de Godin
Jean Godin des Odonais era primo de Louis Godin, célebre astrônomo e membro da Academia de Ciências de Paris. Em 1735, Jean, graças ao primo astrônomo, fez parte da expedição geodésica (chefiada por Charles Marie de La Condamine) enviada ao Peru para medir o arco do meridiano terrestre. Embarcou em La Rochelle, a 16 de maio de 1735, e chegou a Quito, em 22 de maio de 1736. Em Riobamba Jean conheceu Isabel de Casa Mayor. Dom Pedro de Casa Mayor, pai de Isabel, era Vice-rei da província de Otavalo e viúvo de uma rica peruana. Bela e culta, Isabel encantou Jean, que a desposou em 27 de dezembro de 1741. A equipe de La Condamine permaneceu na área por oito anos. La Condamine voltou para a França, mas Jean Godin permaneceu com a esposa Isabel dilapidando a fortuna da mulher. Em março de 1749, partiu só, para Caiena (Guiana Francesa), na oportunidade Isabel estava grávida e impossibilitada de acompanhá-lo na jornada. Ficaram separados pelo destino durante 21 anos. A França e Espanha, na época, estavam em guerra contra os ingleses e os holandeses. Isabel depois de esperar muito tempo pela volta do marido resolveu ir ao seu encontro e considerando que cruzar o Darien ou contornar o continente pelo cabo Horn seria muito arriscado resolveu, então, ir por terra, enfrentando os três mil quilômetros de distância entre o Peru e Caiena. Somente em 1º de outubro de 1769, Isabel conseguiu empreender, com os dois irmãos, um sobrinho, um fiel servo e três servas, a longa viagem até Caiena. Pouco antes de partir, a equipe foi reforçada com um médico francês e dois de seus empregados. A partir de Canelos, arrasada pela varíola, a pequena expedição mergulhou no horror. Os carregadores e guias, tomados de pânico por causa da doença, fugiram. Alguns indígenas lhes serviram provisoriamente como guias, os abandonaram da mesma forma. O médico francês acompanhado de Joaquim, fiel servo de Isabel, foi procurar socorro em uma missão próxima e jamais voltou. Ao retornar, Joaquim, encontrou apenas cadáveres. Isabel e seus companheiros, depois de aguardar três semanas, resolveram continuar o caminho atravessando a floresta. Todos, exceto Isabel, morreram de fome, de sede e de cansaço. A corajosa amazona prosseguiu sozinha sua aventura, sem conhecer a direção a seguir, alimentando-se unicamente de frutos e de ovos. Depois de oito dias, ela chegou ao rio Bobonaza, onde indígenas a acolheram e levaram-na à missão espanhola de Loreto. O missionário Franciscano recusou-se, inicialmente, a recebê-la, tal o seu aspecto e seus andrajos. Pensou que se tratava de uma índia fugitiva, e só abriu a porta da Missão depois que ela cobriu o corpo com um tecido de palha. Madame Godin contou sua história e como estivesse muito fraca foi colocada em uma canoa que a transportou para o leste. Depois, um bergantim português transportou-a ao Oiapoque, onde, a 22 de julho de 1770 conseguiu chegar e dali partiu para a Guiana. Em Caiena nem o próprio marido a reconheceu.
- Angelina a Heroína dos Seringais
Quando do primeiro combate da Volta da empresa, em que Plácido de Castro foi emboscado pelas tropas do Coronel Rojas, um fato inusitado, marcou com sangue aquela pugna de bravos, pelo arroubo de uma heroína acreana. Próximo à beira do Rio vivia num rancho tosco de madeira, um seringueiro com sua mulher Angelina Gonçalves de Souza. Naquele dia encontrava-se atacado de beribéri que o reduzira a pele e ossos, atirado numa rede. Ali estava “febrilento”, prostrado, amargurado, irritado, por não poder participar com os companheiros na Revolução. Nisso chegou um soldado boliviano e vendo-o enfermo, quase um cadáver, aproveitou para atirar-lhe uma provocação de deboche vitorioso:
- ¡Mira! ¿Y tú? Te faltan las gambias? Porque não te escapaste también?
Mesmo em extrema fraqueza, o pobre seringueiro, ferido na sua dignidade íntima, reagiu, e num derradeiro esforço soltou na cara do atrevido, algumas palavras de revolta e ódio. Foi o que bastou para que um grupo de soldados de Rojas, saltasse sobre a carcaça cadavérica do infeliz seringueiro, e o agarrando à unha, arrastaram-no porta a fora, às cusparadas, pontapés e por fim crivaram-no de balas a queima-roupa. Nesse momento, Angelina que estava lá dentro do rancho, ouvindo aquela barulhada toda, passou a mão na espingarda do marido e quando o viu morto numa poça de sangue, investiu furiosa para cima dos soldados assassinos, como desvairada, enlouquecida, num furor de raiva e vingança, conseguiu disparar um tiro. Assim como uma “tigra” defendendo o seu covil, partiu para o ataque contra os executores do seu marido. E luta com eles. Tomada por uma fúria de desespero, de loucura e ódio, que se multiplicam em forças inexplicáveis, atordoa-os, aos gritos, aos socos, às mordidas, a pontapés. Por fim subjugaram a fera humana, e a levaram de arrasto para o Comandante.
Logo ali, estavam dois médicos bolivianos atendendo o Coronel Rojas, ferido de raspão pelo tiro disparado pela seringueira... A soldadesca se enfureceu. Clamou por vingança. Queria a punição imediata... Mas quem decidia era o Comandante. E este num gesto de grandeza humana, falou com energia, determinando que a libertassem imediatamente:
- Mujeres así no se mata. (FIGUEIREDO)
- A Anônima Mulher do Soldado
Curioso episódio também foi observado em relação à mulher de um dos soldados regionais do destacamento que acompanhou Roosevelt, desde Tapirapoan (Rio Sepetuba) às margens do Rio da Dúvida. Grávida já de nove meses, essa mulher acompanhou a pé todas as marchas da expedição, por terra, o que era motivo para admiração geral. Aconselhada em Tapirapoan a alojar-se ali para seguir depois de dar à luz, recusou-se peremptoriamente e declarou que estava acostumada a andar no sertão nesse estado de gravidez, sem se cansar. A convicção de suas afirmativas levou o Comandante do destacamento à tolerância de a deixar seguir, embora contra o voto do médico. Pois bem, essa mulher extraordinária não só marchou diariamente quatro a cinco léguas a pé, como também só interrompeu a marcha um dia (24 horas) para dar à luz. Ao dia seguinte do parto, prosseguia a marcha a pé carregando o filho ao colo. (MAGALHÃES)
Fonte: BRASIL, Altino Berthier - Desbravadores do Rio Amazonas - Brasil, 1996 - Ed. Posenato Arte & Cultura.
FIGUEIREDO, Osório Santana - Plácido de Castro, o Colosso do Acre - Brasil, 2007 – Gráfica Editora Pallotti.
MAGALHÃES, Major Amílcar Botelho de - Impressões da Comissão Rondon - Brasil, 1921 - Editora Brasiliana.
Solicito Publicação
Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS)
Acadêmico da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB)
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS)
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional
E–mail: hiramrs@terra.com.br