SOMOS INGÊNUOS? Leiam esta aula
O GRUPO GUARARAPES AO REPASSAR O ARTIGO DO GENERAL CASTRO O FAZ COM ALEGRIA. DEVERIA SER DISTRIBUIDO AOS CADETES, AOS CORPOS DE TROPA PARA QUE SE APRENDA A GRANDEZA DA CARREIRA MILITAR, CADA VEZ MAIS.
SOMOS INGÊNUOS? SIM. A RAZÃO É SIMPLES: O MILITAR NÃO ADMITE A MENTIRA, FALA A VERDADE, PENSA NA PÁTRIA E NÃO NOS SEUS INTERESSES PESSOAIS. NÃO ESQUECE O PASSADO, POIS É ELE QUE SUSTENTA O PRESENTE E NOS POSSIBILIDADE SONHAR COM O FUTURO.
QUEM QUER ESQUECER O PASSADO É POR QUERER ESCONDER A VERDADE HISTÓRIA. ]
GEN TORRES DE MELO (COORDENADOR DO GRUPO GUARARAPES)
Paulo César de Castro *
Pelas mãos dos meus pais, e graças a Deus, transpus o portão das armas do Colégio Militar do Rio de Janeiro, em 1956. Havia sido aprovado, no ano anterior, em exigente concurso de admissão. Não imaginava que aqueles primeiros passos me conduziram, em verdade, à melhor das instituições criadas pela Nação desde 22 de abril de 1500, o Exército Brasileiro, sempre irmanado às outras tão igualmente melhores, a Marinha e a Aeronáutica. Nada melhor, no Brasil, que suas Forças Armadas.
No Imperial Colégio Militar, a Casa de Tomaz Coelho, aprendi os fundamentos das ciências, nos antigos cursos ginasial e científico. Mais importante ainda, meus dedicados comandantes, mestres, instrutores e monitores, muito além do conhecimento curricular deram continuidade à formação do meu caráter, forjado no lar, nas escolas que antes frequentara e na Igreja na qual fora batizado e crismado, fizera a primeira comunhão e fortalecera a fé. Internalizaram-se em mim, pelos repetidos exemplos de meus educadores, os valores eternos do Exército de Caxias. Aprendi a cultuar e praticar a verdade, a lealdade, a honestidade, a probidade, a camaradagem, o respeito, a pontualidade, a assiduidade, o patriotismo, o civismo e a vibração. Como lhes sou agradecido!
E foram aqueles mesmos valores que encontrei no quotidiano da vida castrense. Constatei sua prática e transmissão ao longo de pouco mais de quarenta e seis anos de efetivo serviço, contados de cadete do primeiro ano, em 1963, até 2009, no posto máximo da hierarquia. Já oficial-general, perguntava aos meus comandados por que o Exército e as Forças Armadas obtêm, invariavelmente, elevados e invejáveis índices de credibilidade? Aos ouvi-los responder, propunha-lhes refletir sobre esta possível resposta: os nossos valores! São eles que nos fazem respeitados, queridos e acreditados pela Nação. São eles que nos identificam, são nossas impressões digitais e nos fazem merecedores dos aplausos dos brasileiros de bem, dos brasileiros com vergonha na cara!
Entretanto, curiosa e repetidamente, em todos os postos da carreira, nas diferentes unidades nas quais servi, nas inúmeras guarnições em que morei e nas variadas situações que vivi, ouvia de diferentes irmãos de armas a afirmação: “nós somos ingênuos!”. Meus camaradas referiam-se aos políticos com os quais tivéramos um ou outro encontro. Referiam-se: àqueles que nos visitavam nos quartéis, em dias solenes de festas, e rasgavam elogios à nossa organização sem par; àqueles palestrantes e conferencistas de nossas escolas que se desmanchavam em loas ao Exército e declaravam amor eterno às Forças Armadas; àqueles que se diziam partidários de orçamentos condignos para o sonhado reaparelhamento da Força; àqueles que nos acenavam com aumentos de vencimentos, por confessarem orgulho de nossa responsabilidade e maneira de ser; àqueles que destacavam nossa abnegação nas fronteiras e guarnições inóspitas, exemplos que, diziam, deveriam ser imitados por todas as agências governamentais; àqueles que diziam o que gostaríamos, gostávamos e gostamos de ouvir. Se acreditássemos, a frustração viria breve. Ingênuos, não diferençávamos amigos de bajuladores. Muitos dos nossos se apaixonavam, fácil, fácil, pelo canto da sereia. Deixavam-se levar por personalidades que se expressavam bem, exibiam-se, exibiam cultura geral e discorriam com eloquência sobre temas de sua seara. Ingênuos ouviam, viam, mas não percebiam!
Invariavelmente, a maioria saía esfuziante daqueles encontros. Havíamos sido reconhecidos por governantes, por parlamentares e por outros homens de governo, federais, estaduais e municipais. Como eles gostam do Exército! Como reconhecem nosso trabalho! Como estão dispostos a pelejar por nossas necessidades! Como será mais fácil sermos contemplados com orçamentos condignos! Lutarão por nós! Era então que algum dos nossos vinha com a frase: nós somos ingênuos! Quando eu era mais moderno, por vezes, revoltavam-me o pessimismo e a descrença daqueles militares mais experientes. Eu
argumentava: eles falaram tão bem do Exército! Vamos acreditar! Ledo engano, os mais antigos tinham razão, “somos inocentes!” Somos mesmo?
O tempo ensinou-me a compreender o porquê das repetidas vezes em que ouvi, “nós somos ingênuos!” “Nós acreditamos!” Abismal diferença de cultura, bem marcada pelos valores que o Exército – e as co-irmãs – praticam, ensinam e cultuam, distingue-nos das práxis e dos costumes dos nossos interlocutores políticos! E a experiência mostrou-me, também, que devemos ser, cada vez mais, desconfiados, cautelosos, precavidos e vacinados contra a ingenuidade. Observei como é comum tratarmos essa gente como se eles fossem um dos nossos. Tributamos-lhes confiança e crédito que deveríamos preservar, exclusivamente, para o relacionamento inter-pares. Oferecemos-lhes as mesmas lembranças, brindes e presentes com as quais presenteamos nossos superiores, os chefes militares, líderes incontestes, exemplos que nos arrastam. E eles não são nada disso, cuidado!
Condecoramo-los com nossas caríssimas comendas, assim como fazemos com aqueles que, por sucessivas demonstrações de valor militar, conquistam nosso respeito e admiração. Prestamos-lhes as continências regulamentares, como não poderia ser de forma diferente, mas é preciso ter em conta que a vibração que explode em nosso peito ao ouvir clarins, bandas e cornetas é marcantemente diversa do tédio com que assistem às nossas cerimônias, formaturas e desfiles... quando se dignam a assistir, pois, nem mesmo os que exercem cargos elevados comparecem às paradas do próprio Dia da Pátria! Que diferença!...
O apreço pela verdade é tal, entre nós, que consideramos desonrosa uma punição disciplinar por faltar com a verdade. Nem pense o ilustre leitor que nossos políticos, sejam governantes, ocupantes amadores de cargos nos sucessivos escalões da administração, executivos e legisladores tributam igual valor à verdade. Trate-os bem, receba-os bem nos quartéis, com a reconhecida cortesia militar, mas desconfie dos bajuladores, dos que disseminam elogios fáceis e fartos, dos que nos dizem, enfaticamente, o que gostamos de ouvir. Não esqueça, somos ingênuos!
A lealdade e a honestidade manifestam-se no dia-a-dia da caserna. Um exemplo? Não “colamos”! Ao contrário, repudiamos aqueles que, exceção raríssima à regra, ousam fazer uso destas artimanhas desleais e desonestas em nossas escolas. Repudiamos a tal ponto que o ambiente se torna irrespirável para o pária, logo desligado. Que vá em paz, não nos faz falta. Que orgulho temos quando proclamamos que fazemos provas sem qualquer tipo de fiscalização, a não ser a da disciplina consciente. A conduta dos nossos interlocutores políticos pode ter sido bem diversa, em seus tempos escolares. Muitos admitem que dela se valeram e riem das ocasiões em que, graças à “cola”, obtiveram proveitos acadêmicos. Um deles confessou tal prática em aula inaugural para os alunos das escolas de estado-maior das três Forças. Não teve qualquer pejo em relatar que “colara”! Imagine, meu irmão de armas, o constrangimento porque todos passaram, já que o conferencista completou o pensamento com estas palavras: “eu colei, vocês também colaram!” É com eles que precisamos nos relacionar institucionalmente, mas, alerta, “sem ingenuidade”, desconfiando sempre! Um pé atrás? É pouco! O respeito aos superiores, pares e subordinados manifesta-se, também, no tratamento diário, em particular nos ambientes escolares, como salas de aula, auditórios e locais de instrução. Senhor é o tratamento de intimidade indicado, praticado e permitido, na relação instrutor-instruendo. Fui testemunha do momento histórico em que um general de exército deixou sua cadeira, à mesa do Alto Comando do Exército, e tomou assento à cabeceira, por ter sido escolhido para comandar a Força. Todos nós, seus pares de Alto Comando, começamos a tratá-lo com o respeito que sua nova posição nos impunha, isto é “Senhor!” e “Comandante, o Senhor...!” Quanto de dignidade, quanto de apreço, que demonstração espontânea de disciplina consciente aquele ato encerrou! Bem, mas não é isto que se vê entre aqueles políticos que nos dirigem a palavra em auditórios. Pasme, na mais alta escola de nossa Força, oficiais superiores assistiram, abismados, constrangidos e chocados, um deles tratar o Comandante do Exército, na presença de seus comandados, pelo primeiro nome! Pode isto? Veja só, leitor amigo, como são diferentes os valores! As iniciativas, mesmo as assinadas, transformam-se, celeremente, em meras cartas de intenção! Mas, nós acreditávamos nelas quando foram chanceladas e lançadas de público. Afinal, segundo a cultura militar, trata-se de solene compromisso, de palavra empenhada! Mas não é bem assim que eles fazem. Como somos ingênuos! E, bem a propósito, quais os recursos que foram consignados para as Forças Armadas na, assim chamada, Estratégia Militar de Defesa? Desconheço o montante alocado quando do lançamento daquele documento. E no orçamento de 2009? Ah, sim, ele já estava pronto antes da assinatura da Estratégia? Que pena! Bem, então, e no orçamento de 2010? Nada específico? Então, tenho que concordar com aqueles mais experientes que me diziam, quando em serviço ativo: “cuidado, somos ingênuos!” O General Rupert Smith afirma: “sem dinheiro não há estratégia!” O homem de armas adere, voluntariamente, a princípios de vida, a valores, a normas de conduta e a práticas profissionais codificadas em códigos de ética, respeitados pelos guerreiros do Brasil durante toda a vida militar, na ativa e na reserva. Eles aprendem a conviver e a viver em diferentes rincões do País, nos quais encontram, infalivelmente, sua família a recebê-los e ampará-los, a Família Militar. Esta família nasce do nosso modo de viver cumprindo as palavras do juramento comum que nos amalgama: “respeitar os superiores hierárquicos, tratar com afeição os irmãos de armas e com bondade os subordinados”. Eis a síntese dos valores que nos unem e constroem a querida e fidelíssima Família Militar. No passado recente, um político que ocupa cargo de relevo na administração pública e com o qual nos cabe manter sadio relacionamento institucional, referiu-se a palavras e opiniões de chefes militares, então e hoje na reserva, diminuindo-as como irrelevantes. Reflita, leitor soldado, sobre a diferença de acolhida e valorização, por nós e pelo político, da experiência e do pensamento de nossos antigos comandantes, com os quais tanto aprendemos, os quais tanto admiramos, eles que nos lideraram e, ainda hoje, nos guiam pelo caminho do dever! Não é bem diferente? Não são eles carne da nossa carne, membros da nossa Família Militar? E qual o comandante que não preza os seus comandados e por eles tudo faz? E move montanhas para que todos retornem do combate triunfantes e com vida? Qual o chefe militar que não trata e ama sua tropa como a seus próprios filhos? Constatamos muito bem a aplicação do “tratar com afeição os irmãos de armas e com bondade os subordinados” em recente episódio, o do terremoto no Haiti, no qual vários dos nossos boinas-azuis perderam a vida, no cumprimento do dever. Na ânsia de encontrá-los com vida, tudo se fez. Literalmente, removeram-se montanhas. Lamentavelmente, dezoito combatentes do Exército não foram localizados com vida, imediata e simultaneamente. Perdemos todos. Alguns deles, durante poucos dias, eram tidos como desaparecidos, seja porque de fato estavam nesta situação, seja porque a esperança e os esforços estavam todos orientados para resgatá-los, se possível, com vida. Durante sua procura, vários haitianos foram localizados e salvos de iminente desenlace. A esperança é a última que morre, diz a sabedoria popular. O Exército procurou e tudo fez para que nossos irmãos de armas também fossem salvos, o que, infelizmente, não foi possível. Mas, no momento em que a Família Militar mais precisava de uma palavra de conforto e de esperança, o político disse-lhe que dá-los como desaparecidos era eufemismo. Eis mais um exemplo do comportamento baseado nos valores castrenses e nos de um político insensível e amador nas lides da caserna. O crédito que políticos assim merecem não deve chegar à nossa ingenuidade. Para muitos que lhe creditam fé absoluta, a frase “somos ingênuos” cabe como uma luva,... calçada sob os acordes de um canto de sereia, cuidado! “Este senhor é militar! Aposto que esse ‘cara’ é militar!” Quantas vezes já fizemos observações semelhantes ao cruzar com pessoas à paisana, em lugares públicos? Basta olhar e constatar. O porte, o comportamento, o aprumo, o modo de vestir-se, o comportamento, o linguajar e o corte de cabelo indicam claramente que aquele desconhecido é militar. Um soldado é facilmente reconhecido como tal sem sua farda, até porque o hábito não faz o monge. O uniforme é nossa segunda pele, cujo direito ao uso conquistamos. Os soldados não se vestem com roupas de trabalho, os soldados se fardam. E com que orgulho cuidam de seus uniformes, verificando-lhes, diariamente, os vincos, a limpeza, o brilho dos calçados e dos metais, o ajuste do equipamento, o caimento, a posição da cobertura na cabeça, a colocação dos distintivos e tudo o mais que caracteriza o garbo militar. Há os que compram e os que ganham peças de nossos uniformes, mas usam-nas ao seu modo, vestem-nas como as vestem os paisanos, mas jamais, não se pode ser ingênuo, jamais se fardam, jamais se uniformizam, até porque jamais alcançam o que bem proclamou o Ministro Leônidas: “Ser soldado é mais que profissão é missão de grandeza!”. Nós somos os homens de armas, os políticos, temporariamente, estão. Veja leitor, como é certo que o hábito não faz o monge, repito. E quantos políticos já foram levados nas asas da Força Aérea Brasileira aos Pelotões Especiais de Fronteira? Choraram de emoção? Proferiram juras de amor ao Exército? Ganharam lembranças de nossas tropas? Usaram nossas camisetas e coberturas camufladas? Sim! Que bom! São dos nossos, pensamos de imediato. Ajudaram-nos? Nossos orçamentos cresceram substancialmente? De certo, há que continuar a convidá-los e transportá-los com lhaneza, mas, atenção, sem ingenuidade! Aos meus comandantes do passado, aos meus camaradas mais experientes, aos meus irmãos de armas, rendo-me! Em verdade, “somos ingênuos!”.