A Saga Continua
Hiram Reis e Silva, Porto Alegre, RS, 23 de setembro de 2010.
Que importa que haja ondas revoltas,
ameaçando um casco acorrentando.
Quero respirar, no último momento,
a esperança diluindo-se em espumas,
espumas desmanchando-se em esperanças...”.
(Arita D. Pettená)
O Projeto Desafiando o Rio-mar continua de vento em popa. Embora seu protagonista esteja entrando na “melhor idade”, a energia irradiada pelos quase cem amigos investidores que colaboraram com passagens, equipamentos e capital necessário para as despesas de viagem, a amável acolhida por parte dos povos ribeirinhos e autoridades do Estado do Amazonas em cada Acampamento, Comunidade, Vila ou Cidade visitada me fazem crer que atingirei meu objetivo maior que é navegar, de caiaque, pelos principais afluentes do Amazonas, colher as informações “in loco” e reportá-las aos amantes da natureza e patriotas em geral. A iniciativa privada começa, também, a participar, o General de Exército Luiz Gonzaga Shroeder Lessa conseguiu convencer empresários, que preferem manter o anonimato, a patrocinar o 1° Livro – Descendo o Solimões, a “Opium Fiberglass”, do amigo Fábio Paiva, ofertou um caiaque para o Projeto, a “Fluel Wetsuits Garopaba SC” doou uma roupa de neoprene para podermos enfrentar com mais conforto os rigores do inverno sulino. As experiências colhidas no Solimões e no Negro foram cuidadosamente analisadas, processadas e determinaram que eu além de dedicar a uma exaustiva preparação física me preocupasse, mais ainda, em conhecer, antes da descida, a história, as lendas, a geografia, de cada local ou trecho a ser percorrido através de uma metódica e sistemática busca em bibliografia especializada presente e pretérita. Alguns artigos reportados ultimamente sobre Santarém e Itacoatiara são frutos desse labor.
- Lagoas Litorâneas
Quando inicio minhas jornadas da Lagoa da Fortaleza, Cidreira, rumo à Barra do Rio Tramandaí, uma jornada de aproximadamente 30 quilômetros, aponto a proa diretamente para o canal que a une à Laguna Manoel Nunes ( - 30°06’53,2”S / 50°13’39,6” W) onde existe uma represa construída pela Corsan, que impede o acesso dos peixes que demandam do Rio Tramandaí - um verdadeiro crime ambiental. No inverno chuvoso, o canal quase nivela com a Lagoa da Fortaleza, com isso, a navegação se torna mais rápida e permite que se observe melhor o campo, as inúmeras espécies de pássaros e as tímidas capivaras e ratões do banhado que povoam a região. Na foz do canal da Laguna Manoel Nunes ( - 30°06’28,9”S / 50°13’15,1” W), normalmente se avista um grande bando de colhereiros cor-de-rosa que, com suas cores, embelezam a paisagem. A pequena e bela Lagoa Manoel Nunes está quase totalmente tomada pelas algas, fato que certamente impede ou pelo menos dificulta o uso de barcos a motor, redes de pesca e espinhéis pelos adeptos da pesca predatória.
Para não se perder muito tempo para achar o acesso à entrada do canal do Gentil ( - 30°05’08,4”S / 50°12’53,5” W), totalmente camuflado pelos juncos é interessante fazer uso do GPS. As águas, no inverno, invadem as terras baixas e se torna difícil reconhecer o traçado original do canal, é importante, então, se guiar pelos juncos que, na época da seca definem as margens do pequeno braço. É sem dúvida o mais belo canal de todo trajeto, o traçado sinuoso do canal, as árvores moldadas pelo vento nordeste, as raízes retorcidas da vegetação agreste, as plantas aquáticas e as areias brancas dão um toque especial à idílica paisagem. Em uma dessas oportunidades fui acompanhado, durante um bom tempo, do alto, por um “João Grande” (Ciconia Maguari), o enorme pássaro voava em círculos e acompanhou-me durante exatos dez minutos, mantendo uma distância razoável. Ao sair do canal ( - 30°04’04,4”S – 50°12’19,5” W) e entrar na Lagoa do Gentil, parcialmente tomada por algas, a civilização se apresenta mostrando ao longe raras edificações, na sua margem direita. Novamente é necessário fazer uso do GPS para se achar a entrada exata do canal sinalizada, ao longe, por uma grande antena.
A entrada do largo Canal ( - 30°03’03,5”S – 50°11’31,7” W) é, igualmente, camuflada pelos juncos. Normalmente se encontram pescadores em ambas as margens e a alta ponte de madeira, cuja figura, na seca, lembrava uma grande ave pernalta, com a cheia, estava com o piso de uso quase ao alcance de minha mão. Os cruéis vestígios da civilização se fazem presentes, garrafas pet e plásticos, dão mostras que os pescadores ali presentes não são amantes da natureza, mas vis predadores do meio-ambiente. Na boca do canal ( - 30°02’27”S – 50°10’51” W) as águas haviam coberto suas praias de areias brancas. A Lagoa da Custódia está totalmente tomada de construções nas suas margens Este e Nordeste.
Novamente é necessário fazer uso do GPS para identificar o Canal Tramandaí ( - 30°00’08”S – 50°11’11,6” W). As margens do canal estão tomadas por construções, a visão, antes agradável e bucólica, é substituída pela poluição, mau cheiro, e descaso com o meio ambiente daqueles que moram às suas margens. Curiosas “garagens” de barcos dão um toque bastante interessante à paisagem. Na foz ( - 29°59’24,2”S – 50°10’41,5” W), se avista, a cidade de Tramandaí.
Deve-se apontar a proa para uma antena de alta tensão encravada no meio da Lagoa do Armazém, bem próxima à entrada do Rio Tramandaí ( - 29°59’16,1”S – 50°09’08,7” W). A região é bastante assoreada, desde a foz do canal até a Barra do Rio Tramandaí. A média de um deslocamento desses é de quatro horas e 40 minutos de navegação, considerando umas três ou quatro pequenas paradas para hidratação, e a maior parte dela por belos e agradáveis recantos.
- O Amigo Guaíba
Voltei ao Guaíba depois de um mês de separação. Meu fiel companheiro me recebeu carinhosamente e demonstrava isso envolvendo o convés do caiaque com suas ternas águas e acariciando meus cabelos com uma suave brisa. Resolvi arriscar uma jornada mais longa até a Ilha do Chico Manuel, a vinte quilômetros da Raia 1, um percurso de 40 quilômetros de ida e volta, preciso aos poucos ir estendendo minhas jornadas para enfrentar o novo desafio. As ondas suavemente embalavam minhas lembranças e eu rememorava minhas inúmeras experiências com aquele cúmplice caudal. Dentre todas, uma em especial, a que exigira maior esforço e disciplina, o “Desafio Rosa Mística” em homenagem à minha querida Rosângela Maria de Vargas Schardosim, de Bagé. Naquela oportunidade parti rumo à Lagoa dos Patos às 03h15min, numa noite clara, sem lua, acariciado pela brisa suave vinda do quadrante Sul. Ultrapassei os umbrais da Lagoa dos Patos margeando a Ponta da Formiga e aportei na Ilha do Veado. Uma pequena e bela ilha em que as rochas dificultavam a aportagem e atraquei em uma pequena angra, ao Sul, protegida das ondas. Retornei, à Raia 1, às 21h30min, cansado, mas satisfeito. Remei 97 quilômetros durante 13h30min. Foi um teste que pretendo repetir até dezembro deste ano para verificar as reais condições de minha velha carcaça de Argonauta.
Aos amigos investidores afirmo que continuaremos a percorrer os caudais amazônicos enquanto tivermos forças nos braços. Depois do Solimões e Negro vou singrar as águas do Amazonas e Tapajós no final deste ano e no ano que vem estamos estabelecendo contatos para enfrentar o Rio Madeira de Porto Velho, Rondônia, até Itacoatiara às margens do Amazonas. Ainda existem outros mananciais preciosos a serem pesquisados, como o Rio Branco, o Purus, o Japurá, o Tocantins, que dependem, apenas, de algum apoio local para que isso se torne realidade. Continuem nos apoiando e ao final do Projeto Aventura teremos compilado e, se o Grande Arquiteto do Universo permitir, editado uma verdadeira enciclopédia amazônica.
Solicito Publicação
Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS)
Acadêmico da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB)
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS)
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional
Site:
http://www.amazoniaenossaselva.com.brE–mail: hiramrs@terra.com.br